‘Cazuza Além da Música’ mergulha no legado artístico e na coragem pioneira do ícone na luta contra a AIDS
Chega ao Globoplay o documentário em quatro episódios Cazuza Além da Música, idealizado para celebrar o Dia Mundial de Combate à AIDS. Produzido pela Conspiração e com direção de Patrícia Guimarães, o projeto abre gratuitamente seu primeiro capítulo para quem não é assinante, convidando o público a revisitar – ou conhecer – a trajetória do menino Agenor que virou o poeta da geração oitentista, encantando e chocando o Brasil inteiro com sua voz rouca, letras afiadas e uma disposição de viver que não se curvou ao diagnóstico de HIV.
A série não segue o padrão de biografias musicais que se prendem a hits e listas de curiosidades. Aqui, o fio condutor é o encontro entre arte e doença: cada depoimento inédito, cada imagem de arquivo – muitas nunca exibidas – reforça como a descoberta do vírus, em 1987, transformou-se em combustível criativo. O time de direção optou por focar os cinco anos finais de Cazuza, mostrando como a imprensa da época tratava a AIDS com medo e preconceito, e como o cantor rebateu essa lógica ao transformar o palco em tribuna, assumindo publicamente sua condição e, com isso, abrindo espaço para discussões que o país evitava. O resultado é um retrato que equilibra celebração e crítica, sem cair no tom panfletário.
Entre os destaques estão as entrevistas com familiares, amigos e parceiros de gravação que revelam o contraste entre a exuberância dos shows de Exagerado e a fragilidade dos últimos dias; a montagem que intercala letras de canções como Brasil e Ideologia com reportagens de telejornais conservadores da época; e a trilha sonora remasterizada que permite ouvir detalhes até então esquecidos nos tapes analógicos. A diretora Patrícia Guimarães comenta que a equipe teve acesso a diários e cartas pessoais, o que enriquece a narrativa com camadas de vulnerabilidade: “Queríamos mostrar que, por trás do astro, havia um jovem aprendendo a enxergar a morte sem perder a aleggia de criar”. A série, portanto, não se propõe a responder quem foi Cazuza, mas sim por que sua ousadia ainda ressoa nas gerações que descobriram Codinome Beija-Flor em playlists de streaming.
O diferencial de Cazuza Além da Música está em transformar o clichê “viver intensamente” em um panorama concreto: cada cena convida o espectador a refletir sobre saúde pública, liberdade de expressão e responsabilidade artística, tudo sem perder o prazer de assistir a um rockstar desabafar em versos. Ao final da maratona de quase quatro horas, o que fica não é apenas a melodia viciante de O Nosso Amor Ainda Vai Durar, mas a prova de que a coragem de contar a própria história – inclusive a versão dolorida – ainda é um ato político poderoso, capaz de atravessar décadas e continuar pulsante na tela do celular.